sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

AS ENTRANHAS VERDEJANTES DA MEDICINA



RESUMO: Os autores apresentam reflexões sobre a cor verde e sua relação com a medicina. São abordados vários comentários para escolha desta cor como símbolo da medicina: das origens mitológicas, onde alude o mito de Perséfone, as aventuras amorosas de Apolo, e a Asclépio o deus da medicina. Menciona os aspectos psicológicos que as cores pode ter sobre médicos e pacientes; também aspectos mais práticos como reflexos de luz em ambientes médicos e teoria de cores complementares.
Foram considerados ainda aspectos históricos e religiosos sobre uso desta cor e das esmeraldas na simbologia médica, além do uso de outras cores por profissionais da saúde, procurando elucidar as razões de a cor verde ter se tornado um importante símbolo da medicina moderna.

PALAVRAS-CHAVE: Verde; Esmeralda; Símbolos; Medicina; Cor


ABSTRACT: The authors present reflections on the green color and its relationship to medicine. Several comments are made for choice of this color like symbol of the medicine: of the mythological origins, where alludes the myth of Perséfone, the loving adventures of Apolo, and yet the god of the medicine, Asclépio. It mentions the psychological aspects that colors can have on doctors and patients; also more practical aspects as reflexes of light in medical environments and theory of complementary colors.
Were considered still, historical and religious aspects on use of this color and of the emeralds in medical symbology, beyond the use of other colors for professionals of health, looking for to elucidate the reasons of the green color has become an important symbol of modern medicine.

KEYWORDS: Green; Emerald; Symbols; Medicine, Color


INTRODUÇÃO
O verde notado em muitos produtos médicos e nas roupas de cirurgiões é sem dúvida a cor que melhor simboliza a medicina. Presente ainda em várias representações da medicina, na analogia da cura com as plantas e a natureza, na pedra que simboliza a profissão e em aspectos religiosos e mitológicos que cercam a prática médica (REZENDE, 2009). O verde é tranqüilizante e confortante, sensações que instintivamente buscamos após passar por um trauma; é a cor da esperança. Como a esmeralda, o verde é um símbolo da saúde e da vida (MANFRED, 2003).

VERDE, ESMERALDAS E MEDICINA


A cor que simboliza a medicina ocidental é o verde. Entre os efeitos psicológicos das cores, parece promover alívio e serenidade, dois estados, sem duvida, desejados por médicos e pacientes.

O verde é uma cor tranqüilizante, confortante e humana. É a cor que buscamos instintivamente quando estamos deprimidos ou após passar por um trauma. Institui um sentimento de alívio, relaxamento, de paz interior, que nos faz sentir equilibrado. É a cor da esperança, da força, da longevidade, da imortalidade universalmente simbolizada pelos ramos verdes (MANFRED, 2003).

Na mitologia, Deméter é uma suprema divindade da terra, deusa da agricultura e dos cereais, era a responsável pela sobrevivência de todos os povos da antiguidade. Os ciclos naturais – semear, brotar e colher – estão relacionados com o mito da filha de Demeter (BARTLETT, 2011).

Perséfone era a beleza personificada e alegrava a humanidade, que vivia então em tempos de fartura. Era um dia majestoso, as ninfas brincavam nos campos floridos, quando a garota viu uma flor maravilhosa, um narciso como ela nunca vira antes e quando se afastou para recolhê-lo; de repente a terra abriu e ela sentiu-se agarrada (STAHEL, 2000). Em vão Perséfone resistiu e gritou... E quando a terra se fechou sobre eles, ninguém mais ouviu as lágrimas e gemidos da jovem. Apenas Deméter escutava um lamento distante, no qual reconhecia ao eco da voz da filha (HAMILTON, 1999).

Deméter percorre o mundo em busca da filha, durante nove dias e nove noites sem nada encontrar. Até que Hélios, deus sol, a quem nada escapa do que ocorre sobre a terra, desfaz o mistério e tenta consolá-la (HAMILTON, 1999). Perséfone havia sido raptada, tornara-se a esposa de Hades e rainha do reino dos mortos!

Deméter, em seu sofrimento, negou à Terra todas as dádivas que lhe concedia. A Terra verdejante e florescente transformou-se em um deserto gelado e sem vida devido ao desaparecimento de Perséfone. A raça humana estava condenada a morrer de fome. Zeus então intermediou um trato com Hades: Perséfone passaria metade do ano com a mãe e outra metade com o marido no mundo inferior (HAMILTON, 1999). Assim, com a chegada de Perséfone aparece na terra a primavera, com os primeiros brotos dos campos e o verde.

Depois de o inverno provar ao homem sua solidão e precariedade, desnudando e gelando a terra que ele habita, esta se reveste de um novo manto verde, com a chegada da primavera, que traz de volta a esperança. O verde é o despertar da vida.

O loureiro arvore de folhas verdes e brilhantes, com as quais eram confeccionadas as coroas dos vencedores dos Jogos atléticos era a planta sagrada do deus Apolo; o curandeiro, o primeiro a ensinar aos homens a arte da cura. Deus da medicina e também semeador de pragas. Este mito conta-nos sobre uma das muitas paixões com desfecho trágico dessa divindade. Segundo Ovídio, Eros, o deus do amor, flechara Apolo com uma seta de amor e, a Dafne, com a seta da indiferença; e por mais que Apolo buscasse o amor de Dafne, ela o repulsava. Perseguida implacavelmente por Apolo e quando este estava próximo de alcançá-la, implora ajuda a seu pai o deus-rio, que a transforma no loureiro. Apolo abraçou-se a planta e declarou então que o loureiro seria sua árvore sagrada (BULFINCH, 2002; STAHEL, 2000).
Asclépio, o deus da medicina, é o filho mais famoso de Apolo. Fruto de mais um amor não correspondido. Uma jovem de rara beleza chamada Corônis após curto relacionamento com o deus, apaixona-se por um simples mortal. Sentindo-se traído quando o corvo lhe conta sobre Corônis e Ísquis, Apolo pede vingança a sua irmã Ártemis, que atinge Corônis com uma de suas flechas mortais para as mulheres. Quando o fogo da pira funerária começava a queimar o corpo da jovem, Apolo resgatou seu filho, que Corônis trazia no ventre e levou-o para ser educado pelo centauro Quíron. Asclépio foi o discípulo ao qual o centauro mais se afeiçoa e, o que mais aprendeu sobre a arte de curar. Quíron era versado no uso de ervas e porções mágicas. Asclépio torna-se capaz de encontrar remédios para todas as doenças; libertava dos tormentos a todos que o procuravam, até mesmo aqueles que estavam à beira da morte (BULFINCH, 2002; HAMILTON, 1999; SOURNIA, 1992).
Contudo, o grande médico que livrava a muitos do Hades, atraiu sobre si a fúria dos deuses. Zeus não permitiria tanto poder a um mortal, que parecia capaz de impedir a morte e matou-o com seu raio fulminante (BULFINCH, 2002). Posteriormente Asclépio teria sido recebido no Olimpo para aplacar a ira de Apolo. O culto a Asclépio disseminou-se, sendo homenageado com inúmeros templos e santuários, que atuavam como locais de cura. A sua imagem permaneceu viva e é um símbolo presente até hoje na cultura ocidental (HAMILTON, 1999; SOURNIA, 1992).
No emblema de Asclépio (símbolo da medicina): A cor verde significa a vida vegetal, a juventude e a saúde. O bastão significa os segredos da vida eterna, poder de ressurreição, o auxílio e suporte da assistência dada pelo médico aos seus pacientes. Sua origem vegetal representa as forças da natureza e as virtudes curativas das plantas (REZENDE, 2009).
Hipócrates, médico grego, considerado o Pai da Medicina, formou no santuário de Asclépio em Cós e assimilou esta tradição médica. Acredita-se que ele mesmo era descendente dos Asclepíades, uma linhagem de sacerdotes-médicos que se dizia derivada da progênie do próprio deus. Vários aspectos da sua doutrina se basearam no folclore religioso que cercava o culto de Asclépio, apesar disto a medicina hipocrática desenvolveu-se em uma linha mais científica e empírica.
À sombra de uma arvore (Platano orientalis), no centro da ilha de Cós, segundo a tradição, Hipócrates reunia-se com seus discípulos e fazia suas preleções ensinando medicina. Este Plátano ficou conhecido como a árvore de Hipócrates. Assinalando o local de nascimento da medicina racional e científica que sucedeu à medicina mágica e sacerdotal dos povos primitivos (REZENDE, 2009).
As folhas verdes do plátano de Hipócrates se renovam a cada primavera, assim como seus herdeiros se renovam a cada geração de médicos, na qual os ideais continuam vivos, a indicar os valores perenes da medicina: a busca da verdade, o respeito à vida, o amor à arte médica, a solidariedade humana, o desejo de servir, a conduta digna, o interesse sincero pelos que sofrem (REZENDE, 2009).

No início da Idade Média a toga dos médicos era verde por usarem plantas medicinais, mas com a epidemia da peste negra (bubônica), os médicos usavam aventais, luvas, máscara e chapéu, porém tudo de cor escura. Estes tons escuros como o preto podia ser um sinal de classe mais elevada e também disfarçava as manchas de sangue e pus que se acumulavam nas roupas. Posteriormente com uso de tons mais claros como cinza, as manchas ganhariam um fator de credibilidade, ou seja, o médico com o avental mais manchado era mais respeitado, tinha mais experiência por haver tratado muitos pacientes. Nada se sabia sobre micróbios e transmissão de doenças (MARGOTTA, 1998; SOURNIA, 1992).
Com o advento das medidas de anti-sepsia e assepsia, com a descoberta dos agentes microbianos, os médicos passaram a usar branco, para demonstrar higiene e limpeza. Na verdade a cor branca é usada por médicos desde a antiga Grécia, quando os sacerdotes do templo de Asclépio se vestiam com roupas (túnicas) brancas para indicar a pureza espiritual. A cor branca em medicina trás o simbolismo da pureza e honradez do ser e atuar como médico (SOURNIA, 1992).

O verde, porém, está sempre presente no mundo da medicina; de acordo com a tradição hindu, a profissão médica é regida pelo planeta mercúrio e a esmeralda é a pedra deste planeta. Também a medicina oriental relaciona a cor verde e a esmeralda ao meridiano do coração, órgão pulsante que mantém a vida. Os Egípcios associavam as esmeraldas à fertilidade a ao renascimento. O imperador romano Júlio Cesar, acreditava que a esmeralda podia ser um fator protetor contra seus ataques de epilepsia. Na idade média as esmeraldas foram utilizadas como antídoto para venenos, para curar feridas, e ainda conta possessões demoníacas. Na tradição alquímica era esta pedra verde, era considerada uma insígnia de Hermes Trismegisto e representativa do conhecimento secreto. Simboliza uma fonte de força e vida nova, além de possuir um caráter de imortalidade (REED, 2013).
Os poderes terapêuticos da esmeralda começam por sua cor verde, que possui propriedades calmantes e é apontada entre todas as cores como a que mais sensibiliza o olhar. A pedra é considerada uma aliada contra doenças. Rejuvenesce, equilibra a cura, estabiliza a personalidade, melhora a meditação e suaviza temores escondidos dentro do homem.
O arcanjo Rafael, conhecido como aquele que foi enviado por Deus para curar, cujo nome significa "Deus cura", novamente confirma que a esmeralda, com sua bela cor verde, é a pedra que simboliza a medicina. É esta pedra que representa o arcanjo Rafael, conhecido como o médico celestial. Por este e outros tantos motivos, os formandos na área de saúde costumam ganhar anéis com essa gema verde (REED, 2013).
Foi no início do século XX, que um cirurgião americano incomodado com o brilho demasiado dos brancos tradicionais no ambiente cirúrgico, que chegavam a reduzir a capacidade de discriminar características anatômicas nos campos operatórios; usando a teoria da cor, desenvolveu um ambiente cirúrgico verde como complemento de cor para o vermelho da hemoglobina. Observou ainda a possibilidade de descansar os olhos, sem competir com luz estranha e brilhos excessivos. Na mesma época a “Cromoterapia” também entrou na cultura hospitalar, com a defesa de idéias sobre a natureza negativa do branco (ausência de cor) e a necessidade do uso de cores positivas e relaxantes como verdes e tons azulados. Assim, o verde tornou-se um importante símbolo do hospital moderno (PANTALONY, 2009).
Em 2010 o Museu de Ciência e Tecnologia do Canadá, em Ottawa, fez uma exposição intitulada: A cor da Medicina, em que expôs artefatos médicos, destacando a utilização da cor verde, buscando resgatar um pouco desta dimensão da história médica.

De Apolo aos nossos dias, o verde e as esmeraldas, são signos intimamente relacionados à medicina, a saúde e a vida.


REFRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARTLETT, Sarah. A Bíblia da Mitologia. São Paulo: Pensamento, 2011.
BULFINCH, Thomas. O livro de Ouro da Mitologia (a idade da fábula): Histórias de Deuses e Heróis. Rio de janeiro: Ediouro, 2002.
DE HOLANDA, Ferreira Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
HAMILTON, Edith. (1999), Mitologia. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MANFRED, Lurker. Dicionário de Simbologia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MARGOTTA, Roberto. História Ilustrada da Medicina. São Paulo: Manole 1998.
PANTALONY, David. The colour of medicine. Canadian Medical Association Journal, Ottawa, v.181, n. 6-7, p. 402–403, Sep 2009.
REED, Lawrence Reyes. Esmeralda: Gema de La profesión médica.  GALENUS - Revista para los médicos de Puerto Rico, San Juan, v. 43, n. 7, p.74, Jul 2013.
REZENDE, Joffre Marcondes. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina. São Paulo: Editora Unifesp, 2009.
SOURNIA, Jean-Charles. História da Medicina. Porto Alegre: Instituto Piaget, 1992.
STAHEL, Monica. As Mais Belas Lendas da Mitologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.



Artigo publicado nos ANAIS do CRM-PI – vol. 17- Nº 1 / 2015


Andrade, F J C ; Carvalho F V; Andrade V C B –– Teresina/PI

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