domingo, 22 de janeiro de 2012

O SÍMBOLO DA PRESCRIÇÃO MÉDICA


Os símbolos têm funcionado como linguagem universal, a qual se estabeleceu muito antes de todos os códigos próprios de cada idioma, têm sido como um instrumento, isto é, como chave secreta, para desvendar conceitos antigos do pensamento humano. Um símbolo representa ou oculta a imagem do que não se vê no momento, mas a ele está relacionado. Um símbolo nos remete a pensar em alguma coisa por ele implicada.

Entre outras acepções, para o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda, o vocábulo símbolo, derivado do grego symbolon significa: Aquilo que, por um princípio de analogia, representa ou substitui outra coisa; aquilo que tem valor evocativo, mágico ou místico; ou idéia consciente que representa e encerra a significação de outra inconsciente.

Como já colocamos, os símbolos podem ser entendidos como a mais antiga linguagem da humanidade. A medicina, como ciência antiga que é, traz em si muitos símbolos entranhados, cujo conhecimento é meritório para todos os profissionais de saúde, não obstante muitos desconheçam seus significados ou não os identifiquem adequadamente. Inúmeras vezes, deparamos-nos com diversos ícones ou sinais em nossa prática médica e, freqüentemente, os utilizamos, mas sabemos pouco sobre seu significado, sua origem e evolução. Por essa razão, motivamo-nos a adentrar na investigação e estudo deste símbolo bastante usado por praticamente todos os profissionais de saúde, no momento de exarar suas receitas médicas, para a prescrição de medicamentos aos seus pacientes.

Compreendendo que os símbolos representam uma linguagem perdida, em que estão fossilizados pensamentos e emoções de valor universal, realizamos, com muito prazer e interesse científico cultural, um estudo, tentado entender sua origem antropológica. Ainda que tenhamos encontrado dificuldades, devido à escassa bibliografia e à insuficiente divulgação do tema, procuramos estudar a sua evolução, no intuito de trazer alguma contribuição adicional, para os estudiosos da medicina ou para aqueles que possuem interesse pelo tema.

O símbolo usado pelos médicos no início de sua prescrição, o “R” cortado, não é um simples “R” e “X”, é um símbolo que não existe no nosso alfabeto, constitui-se de um “R” itálico, com uma perna maior, com a linha do “x” cortando-a (fig.1).

 
Fig - 1


Como a própria medicina, os símbolos médicos têm origem muito remota, por isso são bastante arcaicos, e reaparecem do modo mais inesperado, sendo várias as explicações para sua origem e significado. Segundo a mitologia, os deuses além de causar doenças e morte, também curavam os males e saravam as feridas. Tanto na Grécia antiga, quanto no Egito, a medicina religiosa estabeleceu-se muito firmemente.

Quase todas as Divindades egípcias estão associadas a alguma situação de saúde ou a enfermidades. O símbolo do olho de Horus, representado na iconografia egípcia como um “R” com um olho em seu circulo superior (fig. 2), evoluiu de forma intrincada, e é bastante provável que possa ter originado o sinal romano que representava o deus Júpiter. Esta marca, cujas duas formas principais (fig. 3) representam em seu aspecto geral algo parecido com a cifra de um “4”, pode ser vista em alguns lugares como um indicador de saúde e bons presságios.
                                         


Fig - 3


 
Fig - 2 

O símbolo do olho de Hórus, do deus egípcio, surgiu há 5000 anos. Foi estilizado e era usado pelos médicos egípcios, significando saúde e felicidade. E precedeu a Imhotep, médico e conselheiro de Zoser, na terceira dinastia.

Horus era o deus falcão do alto Egito. Tratava-se de uma divindade de forma muito complexa e, por essa razão, vários cultos eram a ele atribuídos. Em uma das lendas, Horus, para vingar o assassinato de seu pai Osíris, luta contra o malvado Seth, o tio criminoso, máximo causador das doenças humanas. Na contenda, Horus perde um olho, recobrando-se depois, quando sua mãe Isis invocou a ajuda de Toth, o deus da Saúde e da Sabedoria que, em reconhecimento da devoção filial de Horus, restituiu-lhe o olho. Desde então, os egípcios imploram ao deus Horus que cure seus males. Sua marca se converteu assim em um símbolo de proteção e cura.

Olho de Horus ou Olho Sagrado é, portanto, um símbolo mitológico do Egito antigo que significa proteção, restabelecimento da saúde, da intuição e da visão. O olho esquerdo de Horus é representado pela letra R, estilizada, escrita no início de toda receita médica. Ao fazer o R na receita, o médico invoca a proteção e a inspiração divina para aquela prescrição.

O poeta Homero (850 a.C.) acreditava que os egípcios eram habilidosos médicos e influenciaram os médicos gregos que adotaram seu sinal, o olho de Horus, tornando-o como o signo de Apolo. A doença na Grécia antiga podia ser tratada por deuses e semideuses que praticavam a arte de curar. O deus solar Apolo era inicialmente o mais importante para a saúde e a medicina, porém foi, de certa forma, eclipsado por seu filho Asclépio que, muito hábil na ciência médica, transformou-se de um herói de culto menor a um deus maior. Asclépio foi tão grande na arte de curar que, por temor de que ele pudesse ressuscitar os mortos e, desta forma alterar a ordem do mundo, foi fulminado por um raio de Zeus (Júpiter).   

Os Médicos gregos escravizados trouxeram o símbolo para Roma que, nos tempos de Nero (37- 68 a.C.), foi atribuído a Júpiter, deus supremo da mitologia romana, para indicar graficamente que o médico estava submetido ao poder do estado.

É certo que o sinal de Júpiter também está relacionado com a idéia de habilidade e competência. Sua grafia semelhante a um “4” (fig. 3) pode ser a representação gráfica do ziguezague de um raio, ou mesmo da letra “Z”, inicial do nome de Zeus. O símbolo de Júpiter, instituído pelo médico Krinas, do tempo de Nero, segundo algumas versões, pode ainda ser entendido como sinal de uma invocação inspiradora da divindade Romana, querendo, dessa forma, consagrar este sinal como o símbolo da subjugação do médico ao Estado.

Na Idade Média, a representação do olho de Horus, amalgamado com o sinal de Júpiter, aparece como um símbolo, assemelhado com um “4” (fig. 4) ou um “Rx” (fig. 5). É usado em receitas de médicos e alquimistas, para invocar ajuda divina, numa prece para que o tratamento seja efetivo, revivendo os costumes antigos de utilizar o signo de uma divindade para este fim, tanto que nos manuscritos médicos antigos toda letra “R” era cortada.


Fig - 4
Fig - 5

                                           
A Igreja Católica, em sua ávida luta contra o paganismo, até em seus mínimos detalhes, corroborou para cristianizar o símbolo e obrigou os médicos a usar “RR”, proclamando ser uma invocação ao anjo Rafael e seu óbice Responsum Raphaelis. No lugar do sinal pagão de Júpiter, passa a ter lugar um prenúncio cristão, as iniciais do arcanjo Rafael, cujo nome significava “medicina de Deus”. Contudo, mais tarde, os alquimistas retornaram ao símbolo grego original, e os médicos ainda hoje o usam no ângulo superior esquerdo de suas receitas.

Na idade da razão, parece mais verossímil que o símbolo seja racionalizado. Diz-se, portanto, que a letra “R” é a inicial da palavra recipe (do latim) forma imperativa de recipere, que significa: “receba esta prescrição, ou tome estes princípios ativos”. Em épocas nas quais os médicos precisavam prescrever a fórmula do medicamento, misturando e compondo seus ingredientes, a abreviação “Rx” poderia ser atinada por uma afirmação como fiat mistura que significa “que a mistura seja feita”.

Para concluir, podemos dizer que há um emaranhado de teorias na origem e no significado do “R” estilizado que costumamos colocar em nossas receitas médicas. Nos dias atuais, poderíamos traduzi-lo de acordo com o “The Dictionary of Phrase and Fable by E. Cobham Brewer from the new and enlarged edition of 1894” na seguinte forma: "Sob os bons auspícios de Deus, o patrono das medicinas, tome os seguintes remédios nas proporções mencionadas".

Os símbolos são como um código secreto da humanidade, que encobrem um significado muito mais amplo, indo além de sua acepção “convencional” ou “acidental”. Representam um valor emblemático. Hoje, concorrem para compor o “R”, símbolo da prescrição médica, o pictograma do olho de Hórus, mesclado com o signo de Júpiter e com as insígnias católicas e as iniciais de palavras latinas.




Referências Bibliográficas:

  1. AMATO Alexandre. História da prescrição médica. Disponível em: Cultura & Saúde Virtual. <http://www.culturaesaude.med.br/revista/>. 27/02/2006. 
  2. As mais belas lendas da mitologia / tradução Mônica Stahel – São Paulo, Martins Fontes, 2000. 
  3. BEZERRA, Armando J. C. Admirável Mundo Médico. Brasília, CRM-DF, 2002. 
  4. DE HOLANDA Ferreira AB. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª ed., 1986. 
  5. LUGONES Botell M. y Quintana Riverón T -  Los símbolos y la medicina. Rev. Cubana Med Gen Integr. 1998; 14(3):295-296. 
  6. O'SHEA Robert F. Símbolo da Prescrição. Disponível em: <www.sobravime.org.br/simbol_01>. 27/02/2006. 
  7. PRATES Paulo - Do Bastão de Esculápio ao caduceu de Mercúrio. Revista AMRIGS, Porto Alegre, 44 (1,2): 79-80, jan. - jun. 2000. 
  8. REZENDE JM. O símbolo da medicina: tradição e heresia. Disponível em: <http://www.usuários.cultura.com.br/jmrezende,>. 12/03/2006.
* Artigo publicado na revista da FACIME – vol. 3 - 2007

Andrade, F J C –– Teresina/PI


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