quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

UMA INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA CIRURGIA NO PIAUÍ


Em todas as épocas e em todos os lugares existiram médicos. Doença ou saúde eram atribuídas à intervenção de seres sobrenaturais: deuses ou Deus, espíritos e ou demônios, salvos os casos de causas manifestas (uma hemorragia em conseqüência de um ferimento ou da mordida de uma fera; uma fratura causada por acidente ou pela agressão de um inimigo). Assim a cirurgia[1] talvez seja a primeira prática médica que o homem exerceu espontaneamente, ao tratar os ferimentos produzidos na caça e na guerra. Trechos do código de Hamurabi (século XVIII a.C.), do papiro "cirúrgico" de Edwin Smith (1700/1600 a.C.) e do livro de Susruta (século IX a.C.) relatam ferimentos, instrumentos e procedimentos cirúrgicos.
Num segundo momento já na Idade Média, a medicina cresceu ligada à Igreja, sendo fortemente influenciada pelas convicções religiosas, os monges assumiram a arte de curar com medicamentos e orações, as práticas cirúrgicas como lancetar abscessos e retirar pequenas imperfeições da pele, foram deixadas para os barbeiros, que já lidavam com instrumentos afiados como a navalha. Há um divórcio entre a cirurgia e a medicina, os cirurgiões já não são médicos; sacerdotes não poderiam tocar em sangue ou serem culpados pela morte de um homem de acordo com as crenças cristãs da época (BOTELHO, 2004). O cirurgião adquire maior status no período Renascentista, ainda que os médicos clínicos estivessem em uma posição hierárquica superior até por volta do século XVIII quando novamente só os médicos poderiam exercer a cirurgia.
A arte da cirurgia recebe impulsos científicos e culturais nos séculos XVI e XVII com o melhor conhecimento a da anatomia, com o aumento da variedade e gravidade das lesões produzidas nas guerras, que nesta época já contavam com as armas de fogo. Porém os procedimentos ainda eram limitados, pois os cirurgiões ainda não possuíam conhecimentos ou meios adequados para controlar a dor e a hemorragia, nem para combater a infecção. A medicina no Brasil colônia foi em grande parte realizada por boticários e cirurgiões–barbeiros[2] que popularizaram os remédios dos curandeiros indígenas e africanos. Raros lugares contavam com um médico ou cirurgião formado. Em 1746, havia apenas seis médicos formados na Europa nas regiões que hoje formam os estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. A medicina praticada no Brasil passaria por grandes mudanças a partir de 1808 com a transferência, forçada, da corte portuguesa para a sua grande colônia americana. Foram criadas as primeiras escolas médico-cirúrgicas do Brasil primeiro na Bahia e logo depois no Rio de Janeiro (NAVA, 2004). É neste cenário que se iniciará a medicina pré-científica[3] na Capitania do Piauí, com a chegada a Oeiras, em 1803, de um Cirurgião-Mor da armada portuguesa: José Luis da Silva, que aprendeu medicina no Hospital Real de São José, de Lisboa, e, por fim abraçou a cirurgia, tendo sido nomeado para o cargo de 1º Cirurgião da Armada em 1800. Estava vencida a fase do empirismo absoluto, ficaram para trás os pagés, os jesuítas, os barbeiros e os curandeiros. Podemos classificar de privilegiada a situação médica da capital do Piauí no inicio do século XIX (CARVALHO JR, 2003).
A prática cirúrgica no Piauí tem o inicio com a passagem por nossas terras do médico naturalista inglês George Gardner em 1836, que em seu livro Viagem ao interior do Brasil(1846) narra procedimentos cirúrgicos, como as operações de catarata e litotomia[4] realizadas em Oeiras, que eram,  bastante avançados para a época, a anestesia ainda não havia sido descoberta. Somente 10 anos mais tarde, em 16 de outubro de 1846, seria realizada a primeira cirurgia sob anestesia, nos Estados Unidos da América (SOURNIA, 1992).
Com os progressos da ciência e da medicina ocorridos no século XIX e a transferência da capital da província para Teresina em 1852, a medicina e a cirurgia no Piauí também realizam seus avanços, acompanhando o desenvolvimento mundial com a realização de operações cada vez mais complexas como as primeiras operações Cesarianas, no inicio da década de 30 e a primeira Colecistectomia[5] realizada em 1933, pelo Dr. Rocha Furtado que mais tarde seria Governador do estado. Mas, é em 1941, que a medicina e cirurgia no Piauí têm seu maior impulso com a inauguração do Hospital Getúlio Vargas, grande e moderno hospital, reflexo do ideário da revolução francesa que inspirou os princípios dos direitos sociais colocando a saúde como um dever do estado e direito do cidadão. Na cirurgia destaca-se o Dr. Rocha Furtado, chefe da clinica cirúrgica e, pioneiro em diversas operações. Foi ainda criado o NEC (núcleo de estudos cirúrgicos), grupo de estudos, para manter atualizados os cirurgiões e que inclusive detinha assinatura de várias revistas estrangeiras como Lance;, The American Journal of Obstetric and Gynecology e Surgery, Gynecology and Obstetric (SGO) entre outras, além de várias revistas nacionais(FURTADO, 1990).
Mais tarde, em 1965, com o lançamento do desfio para a criação de uma Faculdade de Medicina do Piauí que funcionasse atrelada ao HGV, o Dr. Zenon Rocha foi nomeado presidente da comissão instituidora da faculdade, o funcionamento desta iniciou-se em Janeiro de 1968 tendo como seu primeiro diretor e professor de cirurgia o próprio Dr. Zenon Rocha, esmerado cirurgião, seguro nos conhecimentos anatômicos e, perfeccionista nos atos.
A cirurgia no Piauí cresceu sob a tutela de seus cirurgiões, atualizados nos avanços tecnológicos e criadores de inovações; culminando nas operações por vídeo laparoscopia. As primeiras operações deste tipo foram realizadas no Piauí em 1993 apenas 3 anos após operação pioneira no Brasil (1990) e poucos anos após as primeiras operações com esta técnica surgirem no mundo.
Estes entre outros fatos tornam o estudo da história da cirurgia no Piauí um campo fascinante. Se por um lado temos poucos dados sobre esta área do conhecimento, chegando a inexistir textos específicos, há livros que tratam da história da medicina no Piauí e que trazem informações que despertam o interesse para um estudo mais aprofundado sobre o tema.







Andrade, F J C –– Teresina/PI


  Bibliografia

BOTELHO, JOÃO BOSCO. História da Medicina - Da Abstração a Materialidade. Manaus: Editora Valer. 2004.

CARVALHO JUNIOR, DAGOBERTO F. A Obstetrícia No Piauí: Subsídios Para Sua História. Teresina. 1998.

FURTADO, JOSÉ DA ROCHA. Memórias e Depoimentos.  Teresina: Edição Academia Piauiense de Letras e Governo do Estado do Piauí. 1990.

GARDNER, GEORGE. Viagem ao Interior do Brasil -  Principalmente nas províncias do norte e nos distritos do ouro e do diamante durante os anos 1836/41. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Itatiaia Editora. 1975. 

GONÇALVES, WILDSON C. Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado. Teresina: Halley S.A. 2003. 

NAVA, PEDRO. Capítulos da História da Medicina no Brasil. São Paulo: Ateliê Editorial. 2004. 

RAMOS, FRANCISCO FERREIRA. Memorial do Hospital Getúlio Vargascontexto histórico-político-econômico-sócil-cultural 1500-2000. Teresina: Gráfica do Povo. 2003. 

REZENDE, JOFRE M. Linguagem Médica. 3ª edição. Goiânia: AB. 2004. 

SANTOS, LUIS AIRTON (organizador). História da Medicina no Piauí. Teresina: Edição Academia de Medicina do Piauí. 2003. 

SOURNIA, JEAN CHARLES. História da Medicina. Tradução de Jorge Domingues Nogueira. Porto Alegre: Instituto Piaget. 1992.

 


[1]Joffre M. de Rezende - Linguagem Médica
Define cirurgia como o ramo da medicina que se dedica ao tratamento das doenças, lesões, ou deformidades, por processos manuais denominados operações ou intervenções cirúrgicas.                                                                                                                           
[2] Boticários – precursores dos farmacêuticos. Cirurgiões-barbeiros – os barbeiros por terem habilidade com instrumentos afiados, realizavam pequenas intervenções cirúrgicas.
[3] A medicina no Brasil só tornou-se verdadeiramente científica, com Osvaldo Cruz no inicio do séc. XX
[4] Operação de catarata consistia na abertura do olho para remoção do cristalino opacificado. Litotomia – operação para retirada de cálculos da bexiga, através de uma incisão na região do períneo.
[5] Colecistectomia – operação para retirada da vesícula biliar

Nenhum comentário:

Postar um comentário